domingo, 25 de dezembro de 2011

Falha em rádios e peso extra selaram destino de bombeiros no 11 de Setembro










Enquanto milhares fugiram das Torres Gêmeas em chamas no World Trade Center (WTC) em Nova York, mais de 1 mil bombeiros fizeram o caminho inverso após os ataques do 11 de Setembro. Em meio ao caos, vestindo roupas pesadas e carregando ao menos 23 quilos de equipamentos (veja ilustração abaixo), eles dividiram as escadas, estreitas para o tráfego daquela manhã de terça-feira, com aqueles que lutavam para sobreviver aos atentados terroristas que mudaram o mundo para sempre.


“Subíamos os degraus para o desconhecido. Não fazíamos a menor ideia do que encontraríamos pela frente, mas sabíamos que aquele dia mudaria nossas vidas”, disse um bombeiro do Esquadrão 23 de Manhattan, que, assim como a maioria de seus colegas, não quis ter seu nome publicado.
Entre os bombeiros, o 11 de setembro virou quase um tabu. “Ninguém gosta de falar disso. Não falamos nem mesmo entre nós. Não foi só o pior dia de nossas vidas, foi o pior ano”, afirmou o bombeiro de 38 anos, que chegou à Torre Norte logo depois do primeiro ataque, às 8h46. O segundo foi perpetrado com o voo 175 da United Airlines, que colidiu entre os andares 77 e 85 da Torre Sul às 9h03, 17 minutos depois do primeiro choque.
Dos 2.753 mortos nas Torres Gêmeas, 411 faziam parte das equipes de resgate (e, em sua grande maioria, morreram no colapso dos prédios): o Departamento de Bombeiros de Nova York perdeu 343 homens, enquanto a Polícia Portuária contabilizou 37 vítimas e o Departamento de Polícia, 23. Além disso, oito paramédicos morreram no WTC. O incêndio mais mortal para os bombeiros antes do 11 de Setembro ocorreu em 1966, deixando 12 mortos. A morte de 343 colegas foi um choque extremamente forte para os bombeiros sobreviventes.


“A manhã do dia 11 foi horrível, mas apenas o início. Nas horas seguintes, as viúvas e os filhos dos colegas desaparecidos nos pediam ajuda para procurá-los nos escombros, ainda com esperanças de encontrá-los vivos. Era muito duro. Depois vieram centenas de funerais para os colegas, a dificuldade das famílias em lidar com a perda e os problemas financeiros, a culpa por não tê-los protegido de forma adequada e a vergonha de ser um sobrevivente em meio a tantas perdas. Por que eu? Por que não um colega que tinha três filhos?”, questionou o bombeiro.
Menos de uma hora depois de o voo 11 da American Airlines se chocar entre os andares 93 e 99 da Torre Norte do WTC, mais de 1 mil bombeiros, centenas deles em férias, de folga ou mesmo aposentados, apresentaram-se para ajudar a salvar vidas. Entre eles, 17 aprendizes, garotos como Christian Regenhard, um ex-marine (fuzileiro naval) que tinha saído da academia dos bombeiros havia menos de seis semanas.
Observando as labaredas de fogo nos rombos abertos pelos aviões, vários bombeiros experientes disseram mais tarde que já sabiam que seria impossível apagar aqueles incêndios. Era exclusivamente uma operação de salvamento, de acordo com o livro "102 Minutos - A História Inédita da Luta Pela Vida nas Torres Gêmeas", dos jornalistas Jim Dwyer e Kevin Flynn.
Obstáculos do salvamento
Os 11 mil homens do NYFD (o Departamento de Bombeiros do Estado de Nova York) podem apagar o fogo de um andar, no máximo dois em um edifício alto. Mas, no 11 de Setembro, sua tarefa era enfrentar pelo menos cinco andares completamente em chamas no WTC. “Cada mangueira pode jorrar no máximo 1 mil litros de água por minuto, o suficiente para apagar o fogo de 230 metros quadrados de área”, afirmou Francis Gribbon, do NYFD.


Com diversas mangueiras, os bombeiros poderiam lutar contra um incêndio em um andar de quase 4 mil metros quadrados. Mas não cinco, e certamente não sem água. Com o impacto dos aviões, vários canos foram quebrados, e a água do prédio não tinha pressão suficiente para subir aos andares mais altos.
E as dificuldades não paravam por aí. Grande parte dos bombeiros não era familiarizada com as escadas e os corredores das Torres Gêmeas, com muitos não sabendo diferenciar a Torre Norte (número 1) da Torre Sul (2). Outro grave problema era o fato de os 99 elevadores de cada edifício terem ficado bloqueados após os ataques, completamente fora de uso. E vários com pessoas presas dentro.
Depois da explosão de um carro-bomba que deixou sete mortos e vários feridos no subsolo da Torre Norte em fevereiro de 1993, o comandante do Departamento dos Bombeiros, Donald Burns, escreveu em um relatório que, “sem elevadores, o movimento dos bombeiros do chão até os andares mais altos das torres poderia ser medido em horas, não em minutos”.
Após subir cerca de 20 andares a pé e carregando peso, dezenas de bombeiros congestionaram as cinco frequências de rádio que usavam para informar que sentiam dores no peito e falta de ar. Grande parte das equipes era obrigada a fazer uma pausa nesses andares para recuperar o fôlego.


A última grande dificuldade, e talvez a mais fatal delas, foi o fato de os rádios dos bombeiros não funcionarem perfeitamente em edifícios altos. Mesmo depois de instalar rebatedores de ondas no WTC após o fracasso das comunicações durante a retirada de 1993, os rádios apresentavam fortes interferências e falhas graves nas comunicações durante a manhã do 11 de Setembro.
Apesar de todas essas dificuldades, alguns conseguiram chegar aos andares atingidos pelo avião na Torre Sul, dando apoio às vítimas mais atingidas e conseguindo esvaziar quase completamente os andares diretamente abaixo dos incêndios.


Por causa das dificuldades, porém, dezenas nunca ouviram o chamado de emergência de seus chefes após o colapso da Torre Sul, às 9h59, continuando a subir as escadas do outro prédio para morrer fazendo seu trabalho quando ele desabou, às 10h28. Segundo o livro "102 Minutos", acredita-se que pelo menos 200 bombeiros estavam na Torre Norte quando ela desmoronou.
Trabalho heroico
Nos dias seguintes aos ataques, os bombeiros se transformaram em heróis do 11 de Setembro. O então prefeito de Nova York, Rudolph Giuliani, afirmou que os policiais e bombeiros haviam salvado a vida de 25 mil pessoas, realizando “o maior salvamento do mundo”. Giuliani também criou um fundo especial de caridade para as famílias dos bombeiros e policiais mortos com a queda das torres, para o qual os cidadãos americanos (e de vários outros países) doaram mais de US$ 216 milhões.


Na época, Giuliani repetidamente afirmou que os bombeiros tinham sido heróis porque, mesmo sabendo que corriam risco imediato de vida na Torre Norte, depois do colapso da Torre Sul, não abandonaram os seus postos e continuaram salvando civis. Giuliani não mentiu, mas a realidade da maioria dos bombeiros é mais cruel.


Em junho de 2005, o Instituto Nacional de Tecnologias e Padrões publicou um longo documento com o que seria considerada a “autópsia” das Torres Gêmeas e do processo de salvamento. Dos 58 bombeiros que aceitaram fazer relatos de suas experiências e escaparam do segundo desabamento, apenas quatro disseram ter saído da Torre Norte por saber que a Sul havia caído.
O tenente William Walsh, por exemplo, disse que ouviu um chamado do chefe pelo rádio e desceu as escadas calmamente, encontrando pelo caminho dezenas de outros bombeiros que ainda subiam e não haviam ouvido nada pelo rádio. Ao sair do prédio, Walsh se assustou. Ele não sabia nem que a Torre Sul havia sido atacada por outro avião, muito menos que havia desabado.
Dos seis bombeiros entrevistados para esta matéria, nenhum aceitou o rótulo de que foram heróis naquele dia ou de que são heróis por exercer a profissão. “É o nosso trabalho, é o que fazemos. Não é um ato de heroísmo. É a escolha que fizemos anos atrás: ajudar pessoas em perigo”, disse um bombeiro do Esquadrão 10, exatamente ao lado do Marco Zero (onde ficavam as Torres Gêmeas).


Jules Naudet, cineasta francês que filmava a atuação dos bombeiros dentro da Torre Norte quando houve o primeiro desabamento, foi salvo diversas vezes pelo chefe dos bombeiros no WTC, Joseph Pfeifer. “Apesar de eles odiarem ser chamados de heróis, foram totalmente heroicos naquele dia, fazendo de tudo para salvar vidas. Acredito que é um trabalho para o qual algumas pessoas são 'chamadas', têm a vocação. E tudo isso por um péssimo salário, pouco reconhecimento, muito tempo longe da família”, disse ao iG.
O ex-chefe dos bombeiros de Nova York, atualmente aposentado, Vincent Dunn, concorda. “Quando era bombeiro, não me achava um herói. Mas quando virei chefe e comecei a observar com distanciamento o trabalho, tive certeza de que são heróis. Eles arriscam a vida quase diariamente para salvar a de desconhecidos. Se isso não é ser heroico, não consigo imaginar o que possa ser”, completou.






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