Os bombeiros do Rio de Janeiro estão afundados no mais triste capítulo da sua história. A tristeza não é decorrente da invasão ao Quartel Central da Corporação. A invasão é consequência e não causa. Muitos ainda não se questionaram a razão do fato ocorrido. A tristeza que assola a instituição é decorrente do descaso com que é tratada uma das mais tradicionais corporações de bombeiros do Brasil.
Considerada a instituição mais respeitada entre todas as outras, os Bombeiros ainda convivem com o fenômeno de ser a atividade mais estressante que existe, segundo pesquisas recentes. O reconhecimento conquistado ao longo de mais de 150 anos não garante aos profissionais a recompensa justa em termos de valorização salarial e condições de trabalho.
Envoltos em fantasias de heróis, os profissionais bombeiros vivem triste realidade quando regressam aos seus lares e se deparam com as dificuldades cotidianas. São muitas as inópias. Adversidades de toda sorte acabam por tornar a vida desses profissionais uma antítese, durante o serviço homens dignos e profissionais respeitados que buscam salvaguardar e proteger vidas humanas e fora do serviço pais de família que não são capazes de suprir as necessidades básicas de seus entes. Uma dicotomia existencial que gera os mais diversos conflitos interiores.
O que desejam esses profissionais nada mais é que suas famílias sejam resguardadas por tetos que os protejam do frio, do sol e das chuvas, que suas mesas estejam repletas de alimento, que seus filhos possam frequentar boas escolas, que possam ter assistência médica compatível com seu empenho e dedicação e que nas horas de folga não seja necessário outra atividade profissional para complementar renda. Resumindo esses homens pais de família querem apenas um pouco de dignidade.
As assertivas acima não significam apologia ao desrespeito às colunas mestres da vida castrense que são a hierarquia e disciplina. Esses pilares imprescindíveis sustentam em seu universo o ordenamento do Estado Democrático de Direito. Por outro prisma o Estado é responsável por manter as condições relativas à dignidade humana. No Rio de Janeiro o que se vê é que o Estado pretende cobrar integralmente os deveres dos bombeiros e assim esquece que está simplificando o processo porque também há direitos.
O grave erro cometido pelos militares foi impedir a saída do socorro e dessa forma atentar contra os nossos principais valores. No mais é preciso refletir o que se passa no íntimo de profissionais que são companheiros das madrugadas turbulentas, dos dias de calor abrasivo e das horas de apreensão. No mundo que não é exatamente o paraíso que a natureza representa, onde nós humanos não somos exatamente aquilo que a essência da palavra descreve, há tristezas, infortúnios, perdas, angústias e escuridão, são tempos de pouca bondade, ainda assim, todos os dias, mesmo com a possibilidade de não regressar aos seus lares, os bombeiros mantem o compromisso de dispor a maior dádiva em favor de seu semelhante.
Ao se falar que a invasão foi consequência significa dizer que são anos e mais anos de repressão salarial, num Estado onde a atividade é extremamente desgastante. A causa é, portanto, a forma impregnada de desídia que se tratou o profissional. Bombeiros não são vândalos. A essência de um bombeiro é solidariedade num cenário de desordem. Bombeiros são pessoas que procuram mostrar que é possível regenerar feridas das jornadas anteriores não tão bem sucedidas. São profissionais que sabem agradecer até pelas lágrimas deixadas pelo caminho, elas são o retrato da sua capacidade de sentir. Bombeiros tem a compreensão de que não haverá noites tão longas que se tornem infinitas a ponto de inibir o amanhecer.
O que querem os bombeiros é o mesmo que todos os profissionais, sonhos definidos em respeito, reconhecimento e valorização a sua essência, tudo isso resumindo na dignidade humana. Desejam agradecer por cada batida dos seus corações, por qualquer razão que seja, ainda que não seja pelas alegrias da vida, que ele continue explodindo seus peitos pela esperança de serem para os outros tudo que gostariam que fossem consigo. Pelos seus olhos abertos e atentos agradecem a capacidade de decidir por continuar, mesmo quando as expectativas mostram cenários contrários. Desejam agradecer a Deus pelas cores, pelas músicas, pelas poesias e por guiar os seus passos, por atender suas preces, por compreender os momentos de intensa amargura, por ter inventado esse seu ofício. Agradecer por esse nome que os faz continuar, que sejam sempre BOMBEIROS. (Carlos Eduardo Borges)